Este artigo de opinião "Compras Públicas: Ainda na zona de conforto?" foi publicado no Tek Sapo a 25 de Novembro de 2011. Os meus agradecimentos à equipa desta sempre atual publicação electrónica
Quando quase todos os dias chegam notícias desagradáveis para os portugueses em geral e para os funcionários públicos em particular, parecem ainda existir alguma zonas de conforto na Administração Pública. Nesta área tão atacada pelos cortes orçamentais, e marcada pelos sacrifícios pedidos aos empregados e dirigentes, seria de esperar um maior zelo na gestão dos dinheiros públicos. No entanto ainda há áreas em que ainda não se tiraram todas as ilações devidas neste novo ambiente de austeridade.
Veja-se o caso de um recente concurso público para a aquisição de licenciamento de um "cabaz de software" de um fornecedor, identificado com todas as letras, por uma entidade pública (quem quiser saber os detalhes poderá consultar o linkhttp://dre.pt/sug/2s/cp/gettxt.asp?s=udr&iddip=405339645).
É um caso típico - e ainda muito comum - da inércia existente numa zona de conforto. Todos nós sabemos que é mais fácil continuar o caminho em que estamos do que procurar novos rumos. É humano. Mas não estamos em tempos fáceis. Estamos em tempos em que temos de ponderar e repensar as nossas opções.
Até agora não se costumava por em causa a aquisição destes "cabazes de software" de marcas específicas, apesar da sua ilegalidade. Tem reinado o princípio do "Se todos fazem, porque não eu ?".
Talvez as pessoas que especificaram e aprovaram este concurso público, e outros semelhantes, não tenham lido o artigo 49º do Código das Compras Pública" que diz "É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens."
Talvez se tenham esquecido que as aquisições de licenciamento de software têm de ser feitas não em cabaz, mas por lotes, os lotes definidos pelo Acordo-Quadro de Licenciamento de Software" em vigor, que proíbe a aquisição do software listado no Acordo por outras vias:http://www.ancp.gov.pt/PT/ComprasPublicas/SNCP/Documents/ListaAQs.pdf
Ou talvez saibam isto tudo, mas como pensam que se trata de software "sem alternativas" achem que este "atalho" é tolerado.. a tal zona de conforto …
O corte dos 13º e 14º meses é um bom estímulo para mudar de atitude e repensar hábitos. E quem tem o poder de especificar produtos e serviços a adquirir, ou de aprovar despesas, tem neste momento responsabilidades acrescidas, pelas consequências de austeridade que estas acções acarretam para os funcionários.
Sim, um concurso público que pede um produto de uma marca específica é mesmo ilegal. Impedindo a concorrência, garante que os preços são mais altos que numa situação competitiva.
Sim, a aquisição de licenciamento software por "cabaz" em vez de ser por produtos individuais não é permitida. Os "cabazes" têm a vantagem de permitir preços mais baixos dos produtos "principais", que usualmente têm uma posição dominante no mercado, mas incluem uma mão cheia de produtos em que a concorrência é mais forte - e lá se vai a vantagem do cabaz …
Para além disso, e como mostra o exemplo, a política de "cabazes" (ou "Software Agreements", se preferirem) cria uma situação de dependência que desincentiva a procura de soluções mais interessantes.
E chegamos à reflexão final sobre a zona de conforto. Será que não há alternativas, ou será antes que não houve o esforço de as procurar? Neste caso específico, terá sido consultada uma Google, que oferece serviços de "software as a service" concorrentes? Terão sido avaliadas soluções open source alternativas? Terá sido consultadas uma ESOP - "Associação de Empresas de Software Open Source", ou sido feitas buscas na Internet?
Sim isto dá mais trabalho que apenas ouvir os vendedores dos fornecedores habituais que nos batem à porta. Mas quem pretender diminuir a probabilidade de novos cortes nos ordenados, e fazer caber mais num orçamento mais reduzido, tem mesmo de fazer esse trabalho. É tempo de sair da zona de conforto nas Compras Públicas.
18 dezembro 2011
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