20 junho 2007

Sociedade da Informação : a demissão do estado

Poderá à primeira vista parecer estranho falar de demissão do estado no que toca à sociedade da informação, quando amiúde são lançadas novas iniciativas. Mas há nela um padrão preocupante.

UM
O estado lança uma iniciativa de literacia digital, e fá-lo através de um site fornecido por uma empresa que a aproveita para promover os seus produtos, que são já largamente predominantes.


DOIS
O estado lança uma iniciativa de colocar computadores e banda larga móvel nas mãos de milhares de alunos e professores, sem providenciar a formação no novo sistema operativo e Office que conforme divulgado publicamente os acompanha. Contrata sem concurso público o software da empresa dominante no mercado, cravando mais um prego no caixão da competitividade e da concorrência. Fá-lo porventura de uma forma formalmente legal, mas através do subterfúgio de serem as empresas de telecomunicações a pagar a factura, sem o dinheiro entrar no ciclo de controlo ( e de consultas públicas) do estado.

As ofertas dos vários fornecedores de portáteis parceiros da iniciativa, e dos operadores móveis que pagam a factura são cartelizadas sendo oferecidas aos utilizadores pelos mesmos preços negociados. Deste modo o estado subsidia os concorrentes mais caros para que estes apareçam com o mesmo preço dos mais baratos.

O estado demite-se de promover a concorrência.
Demite-se também de promover a interoperabilidade entre produtos de software

E demite-se de promover a formação nesses novos produtos......


TRÊS
O estado lança uma iniciativa de e-mail gratuito para todos, o MegaMail. E depois demite-se, e aceita patrocinar uma plataforma de uma empresa, o Live@Edu. Uma iniciativa internacional de uma empresa comercial alojada num site do estado.

Não se sabe se depois de ter obtido clientes nas Universidades não irá começar a cobrar pelos serviços. E será coincidência o facto de este serviço ser lançado poucos meses depois do número 2 da FCCN ter migrado para a Microsoft ?


QUATRO
É lançado pelo Instituto de Informática um Comité Técnico sobre a normalização de documentos, mas o organizador demite-se e deixa que a empresa com mais interesses instalados fique a presidir à comissão.


E NADA
E enquanto aceita todas estas ofertas gratuitas, o estado recusa todas as ofertas de software gratuito que lhe fazem. Os professores não conhecem esses produtos gratuitos, alegam. Pois também não conhecem o Microsoft Office 2007, que é muito mais diferente do Microsoft Office 2003 que o OpenOffice.org.

Enquanto mais e mais estados lançam iniciativas para promover a interoperabilidade e a defesa de normas abertas, condições para assegurar a livre concorrência e um ambiente competitivo, o estado português demite-se e aceita reforçar o predomínio de um só fornecedor de software para a administração pública.


A DEPENDÊNCIA
Ao não promover a competição, o estado só pode negociar melhores condições através do favor de um desconto. Que será pago à custa de outros favores.

Enquanto outros estados mesmo da dimensão do nosso têm fortes equipas de tecnologias de informação que traçam estratégias e asseguram uma validação das tecnologias e normas a adoptar, o estado português tem equipas diminutas, e está dependente dos fornecedores, das suas ofertas e dos seus planos de lançamento de produtos para implementar essas políticas.
Onde está o estudo sobre o impacto do lançamento do Vista e do Office 2007 nas Escolas e na Administração Pública?

Quando o o estado se demite de planear, as políticas dos fornecedores tornam-se a política do estado.

Como estamos a assistir.

2 comentários:

absorbent disse...

como aliás em todos os outros sectores do estado, o governo demite-se por nao saber fazer melhor...

JM disse...

Isto é serviço público. Obrigado.
Um artigo deste género devia ter visibilidade nacional em órgãos de comunicação social de referência e não apenas nas secções de Tecnologia.
Aquilo a que assistimos é, de facto, a uma hipoteca do futuro do Estado em termos de TI, nos vários níveis de decisão: poder central, autarquias, institutos, instituições de ensino… é muito grave.